Tive uma infância difícil, marcada pela morte prematura de meu pai. Aos sete anos, comecei a trabalhar como babá e empregada doméstica. Encarava tudo com naturalidade, como uma oportunidade. Na casa onde trabalhava, podia me alimentar melhor, um privilégio raro, já que, em casa, o cardápio era simples: arroz e feijão, e, de vez em quando, abóbora ou mandioca. Mesmo assim, saboreávamos cada refeição com gratidão.
Naquele tempo, o pagamento era em roupas e sapatos usados, mas eu me sentia feliz. O trabalho representava dignidade.
Levantávamo-nos cedo, sempre chamados por mamãe para fazer nossa “obrigação”. Íamos à escola uniformizados, camisas brancas surradas, mas muito bem cuidadas. A felicidade de receber os livros novos era indescritível. Eu os folheava perto do nariz, fechava os olhos e aspirava aquele perfume de papel novo, para mim, o melhor aroma do mundo. Lia tudo o que via: livros, classificados, dicionários. Lia até tarde, sob a luz fraca da lamparina, porque em casa não havia energia elétrica.
Dormia numa rede remendada, e bastava um movimento brusco para cair no chão. Chorava assustada, e mamãe logo se levantava, costurava o rasgo e me colocava de volta na rede.
Meus irmãos, com apenas 9 e 11 anos, trabalhavam vendendo pães de porta em porta. Sofriam agressões, perdiam o dinheiro e as mercadorias, mas continuavam firmes. Faziam de tudo para ajudar no sustento da casa: engraxavam sapatos, lavavam carretas de gado, trabalhavam em postos de gasolina e limpavam banheiros. Muitas vezes, voltavam tarde, molhados de chuva, tentando salvar o saco de papel com o arroz ou feijão, que acabava rasgando.
Mamãe, exausta de tanto trabalhar lavando e passando roupas, mas cuidava com carinho enxugava as lágrimas deles e preparava o jantar, um simples quibebe de abóbora com arroz que era saboreado como banquete.
Não tínhamos geladeira; a água era guardada em potes. E quando chovia, o medo tomava conta, temíamos que o teto desabasse. A canção de Vinícius de Moraes ecoa até hoje em minha memória: “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada.” Mas, ainda assim, havia beleza. Eu me deitava na rede e admirava o céu estrelado, o luar refletindo nas noites cheias. No inverno, o cenário mudava: a casa molhava por inteiro, e corríamos para debaixo da mesa, abraçados à mamãe, nossa fortaleza.
Sempre gostei de estudar e escrever poesias. Mesmo com tantas dificuldades, tirava boas notas. A disciplina e o respeito eram valores inegociáveis em casa. Mamãe nos ensinou a nunca tirar proveito de nada, a não aceitar presentes de estranhos, a honrar o nome e a trabalhar com honestidade.
Ela, viúva aos 32 anos com quatro filhos pequenos, renunciou a tudo para nos criar, um exemplo eterno de amor, coragem e fé. Com o tempo, nossa vida começou a mudar. Meu tio Luiz Silva ajudou a instalar energia elétrica em casa. Minha mãe conseguiu se aposentar, com a colaboração de Pedro Silva. Aos 17 anos, consegui meu primeiro emprego remunerado, meio salário-mínimo, como Auxiliar de Serviços Gerais na Câmara Municipal de Guaraí.
Sou eternamente grata ao ex-vereador Newton Arrais, que conhecia nossa história e abriu essa porta. Trabalhei com zelo e dedicação, limpando, organizando e aprendendo. A secretária Helena Fonseca foi uma mentora admirável, batalhou para que eu tivesse carteira assinada e uma carreira sólida.
Foram 13 anos de serviço na Câmara. Depois, passei em um concurso público estadual e ingressei no Campus Universitário de Guaraí- UNITINS, onde trabalhei com igual dedicação.
Desde cedo, também me envolvi com o trabalho social e esportivo. Organizei eventos com o apoio do comércio local e da Prefeitura de Guaraí: RockVolley, Passeio Ciclista Ecológico, gincanas, campeonatos de vôlei e de praia, e a Rua do Lazer. Eram momentos de alegria e união. Tudo era feito sem fins lucrativos, apenas amor, esforço e fé.
Essas ações tinham um propósito: promover saúde, afastar jovens das drogas e da prostituição, e fortalecer os laços comunitários. Com o apoio da Polícia Militar, realizávamos eventos seguros e animados. Eu atuava em todas as funções: locutora, árbitra, jogadora e organizadora. Foi ali que nasceu a locutora e cerimonialista Júlia Silva.
Mais tarde, trabalhei na educação (Diretoria Regional de Ensino) por mais de 15 anos e, também, em rádios locais, aprendendo e aperfeiçoando a comunicação, uma das minhas maiores paixões.
Hoje, olhando para trás, vejo que cada dificuldade foi um degrau de aprendizado. Tudo o que conquistei nasceu da fé, da persistência e da educação que recebi. A Bíblia ensina que as provações podem produzir perseverança, e quem precisa de sabedoria deve pedi-la a Deus. Tiago 1:2-4
Deixo este memorial como um testemunho de coragem, humildade e gratidão.
Porque, nas dificuldades, sempre há, e sempre haverá, a oportunidade de aprender.
