Dados compilados pela pesquisadora e doutoranda em Políticas Públicas Claudia Regina Ferreira Severiano, que inclusive vem sendo divulgados pelas redes sociais, revelam discrepâncias entre gastos com entretenimento e investimentos em áreas essenciais como saúde, educação, assistência social e segurança pública, especialmente durante este mês de julho, quando ocorrem as tradicionais e conhecidas temporadas de praia nos rios que banham o Estado.

 

A pesquisadora inclusive revela ter dificuldade em conseguir dados nos portais da transparência, muitos deles desatualizados ou então por meio de diários oficiais com informações incompletas. Mesmo assim, o estudo até agora mostra que algumas prefeituras estão gastando de maneira exagerada com cachês de artistas, superando até mesmo investimentos para o ano inteiro nas áreas que deveriam ser as mais importantes para as populações de suas comunidades.

 

Apesar do levantamento levar em conta apenas os gastos com shows e eventos durante o mês de julho, esta prática tem sido recorrente por todo o Tocantins nos últimos dois anos, principalmente durante aniversários de municípios, exposições agropecuárias, temporadas de praias e outras datas comemorativas, mais do que se costumava fazer antes. Cabe ressaltar que a pesquisadora só conseguiu obter dados relacionados aos cachês direcionados para artistas.

 

Portanto, esses valores não incluem custos extras com palco, som, segurança, limpeza e mão-de-obra, por exemplo. Além disso, não há dados que comprovem retorno econômico em turismo ou geração de receita, já que não existem estudos públicos neste sentido. Embora eventos culturais possam, sim, impulsionar o turismo e a economia local, a falta de prestação de contas e a ausência de indicadores objetivos de impacto impedem qualquer avaliação transparente.

 

Enquanto os palcos iluminam as orlas, praias, praças e espaços públicos por todo o Estado, unidades de saúde seguem sem médicos, escolas carecem de estrutura e comunidades continuam desassistidas dentro de suas necessidades mais diversas, algumas delas básicas. A principal atração que muitos municípios ainda não contrataram atende pelo nome de transparência — na origem das emendas, na execução dos contratos e nos reais impactos para a população.

 

Obs.: As postagens com informações completas dos dados obtidos podem ser conferidas no X (antigo Twitter) da pesquisadora (https://x.com/aclaudiaregina).

 

Uso político dos eventos

 

Embora financiados com recursos públicos, muitos desses eventos são amplamente associados a nomes de personalidades políticas, prática que fere o princípio da impessoalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal (CF) de 1988. Tal cenário revela que os eventos, na verdade, podem estar sendo usados como ferramenta de promoção política de grupos que estão no poder, sem qualquer constrangimento, fato que pode ser facilmente comprovado.

 

Alguns exemplos práticos

 

- Pedro Afonso (com população estimada em 14,7 mil habitantes) destinou R$ 2,4 milhões para shows, valor similar ao orçamento de saneamento básico. Somente o valor das atrações Henry Freitas (R$ 650 mil) e Solange Almeida (R$ 400 mil) é equivalente à verba para o abastecimento de água da cidade.

- Xambioá (10,6 mil habitantes) pagou R$ 1,52 milhão em espetáculos, incluindo R$ 600 mil só para o cantor Léo Santana, enquanto a saúde municipal recebia apenas R$ 385 mil.

- Araguacema (6,03 mil habitantes) gastou R$ 3,79 milhões, mais que o dobro do orçamento da Assistência Social, que é de R$ 1,9 milhão.

- Palmeiras do Tocantins (com aproximadamente 4,8 mil moradores) contratou dois shows por R$ 500 mil (Marília Tavares e Chicabana), montante que poderia bancar uma UBS (R$ 366 mil), uma creche (R$ 274 mil) ou sistema de água (R$ 210 mil).

- Filadélfia (7,8 mil habitantes) investiu R$ 1,93 milhão, montante suficiente para manter a Biblioteca Municipal por mais de 200 anos ou a Assistência Farmacêutica por mais de uma década.

- Itacajá (6,9 mil habitantes) alocou R$ 1,215 milhão em eventos, enquanto merenda, creches e saneamento operam com recursos bem menores.